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Trinta e três denúncias.
É esse o número de mulheres já ouvidas na investigação do mais renomado especialista em reprodução assistida do país, sob suspeita de cometer abuso sexual de pacientes em sua clínica
Juliana Linhares
Dono da mais conhecida e bem-sucedida clínica de reprodução assistida do país, o médico Roger Abdelmassih, 65 anos, de São Paulo, é objeto há quatro meses de um inquérito policial por suspeita de abuso sexual de pacientes. Quando a investigação foi revelada pelo jornal Folha de S.Paulo, no dia 9, nove mulheres haviam prestado depoimento contra Abdelmassih; uma semana depois, o número tinha aumentado para 33, se incluído um testemunho que estava sendo colhido na sexta-feira. "Os relatos se parecem em diversos aspectos. Muitas repetem as mesmas expressões usadas pelo médico", diz José Reinaldo Carneiro, um dos três promotores responsáveis pelo caso no Ministério Público. Abdelmassih, que ainda não foi ouvido no inquérito, em declarações a VEJA negou terminantemente as acusações. "Não fiz nada. Quando eu for à delegacia depor, não vou levar uma ou duas testemunhas, vou levar um caminhão de pessoas que me conhecem. De preferência pessoas de aparência muito bonita que foram minhas clientes, para contar se por acaso eu tive qualquer comportamento indevido", disse o médico, bem relacionado e querido por pacientes famosos a quem proporcionou a felicidade de ter filhos.
Até a semana passada, todas as denúncias investigadas no inquérito eram de atentado violento ao pudor, que engloba qualquer ato forçado de natureza sexual, menos estupro, definido pela lei como a penetração genital. Parte das mulheres disse ter sido assediada dentro do consultório pelo médico, que tentou beijá-las e acariciá-las à força. Reagiram, e o assédio não avançou. Outras afirmam que estavam sedadas durante o abuso e só vieram a se dar conta depois. Na quinta-feira, dia 15, uma paciente, que hoje mora em Minas Gerais, entrou em contato com o Ministério Público para fazer o que, se confirmado, configuraria a primeira denúncia de estupro. Ela repetiu a VEJA sua história, que diz ter ocorrido doze anos atrás, na clínica onde havia engravidado da primeira filha e fazia tratamento de novo. "Eu fui sedada para fazer a aspiração dos óvulos. Estava dormindo e senti alguém me beijando. Achei que fosse meu marido e retribuí. Quando vi, era o doutor Roger", diz. Segundo ela, a carícia evoluiu para o ato sexual em si. Uma denúncia de estupro doze anos depois, sem a possibilidade de exames, é de difícil comprovação. A ex-paciente, que relata profundo sofrimento emocional, avalia assim seus sentimentos: "É uma coisa estranha, a gente não consegue reagir. Fica acuada, envergonhada, porque dá a impressão de que permitiu a situação". O inquérito policial trata ainda de um tipo de denúncia paralela: pacientes que acusam o médico de lhes ter proposto a utilização de material genético – óvulos e espermatozoides – que não o delas ou o de seus maridos, sem que estes soubessem, depois que as primeiras tentativas de fertilização não surtiram efeito.
As investigações começaram quando uma das pacientes que se dizem agredidas entrou em contato com o Ministério Público querendo prestar depoimento contra o médico. Ela teria dado nomes de outras mulheres que também haviam sido atacadas. Em maio, os promotores começaram a ouvir as ex-pacientes; em setembro, o caso foi encaminhado para a Primeira Delegacia de Defesa da Mulher do Estado de São Paulo, onde corre o inquérito. "Até agora a defesa não teve acesso ao nome das pessoas que se queixaram ao MP e à polícia nem ao conteúdo integral dos depoimentos. O único nome a que tivemos acesso foi o de uma ex-secretária que assumiu publicamente ter tentado extorquir o doutor Roger", diz Adriano Salles Vanni, advogado do médico, que vem sendo, segundo ele, vítima de um movimento organizado. "Já esperávamos que o número de testemunhas aumentasse. Durante quase um ano, um grupo de pessoas anônimas fez campanha contra o doutor Roger pela internet. Agora, com o inquérito policial exposto na mídia, essas pessoas, novamente de forma anônima, retomaram a campanha." Da polícia, o inquérito vai para o Ministério Público, que oferece ou não denúncia a um juiz, ao qual compete decidir se existem fundamentos para abrir processo. O prazo para o inquérito ser encerrado termina em fevereiro, mas pode ser prorrogado.
Uma das ex-pacientes que depuseram contra Roger Abdelmassih conversou com VEJA, sob a condição de não se identificar. Seu relato:
"Em 2003, fui fazer minha primeira consulta com o médico. Eu e meu marido deixamos dois cheques na clínica, 20 000 reais referentes a duas tentativas e mais 7 000 reais pelos remédios. Fui submetida a um procedimento para retirada de óvulos, eles foram fecundados em laboratório com material genético do meu marido e depois me chamaram para fazer a colocação dos embriões no útero. Meu marido estava viajando e não pôde me acompanhar. Às 5h30, aplicaram-me um sedativo e eu apaguei completamente. Uma hora depois, acordei e comecei a me vestir. Quando estava quase pronta, o doutor Roger apareceu no quarto, me chamou de querida e começou a me abraçar. Eu ainda estava meio tonta. O abraço foi ficando apertado, ele segurou minha cabeça e tentou me beijar à força. Era tudo muito nojento. Eu trinquei os dentes, consegui empurrá-lo e comecei a gritar. Ele saiu do quarto. A cena durou poucos minutos. Recolhi tudo e fui embora em pânico. À noite, não contei nada ao meu marido. E não contei por cinco longos anos. No dia seguinte ao ataque, comecei a fazer psicoterapia. No final, a evolução dos embriões não aconteceu e o tratamento foi interrompido. Não tive coragem de denunciar o médico porque sabia que era poderoso e conhecido e que daria um jeito de virar o jogo contra mim. No ano passado, uma amiga me convenceu a procurar a Justiça. No dia em que fui prestar depoimento, contei ao meu marido tudo o que tinha acontecido. Fomos fazer terapia de casal e estamos voltando a nos entender. Nosso maior desejo é ver o culpado na cadeia."

Thaís Oyama
Ele se intitula "Doutor Vida", anuncia-se como "o homem que semeia bebês" e tem noções um tanto peculiares de ética. O especialista em fertilidade Roger Abdelmassih, 57 anos, virou celebridade nacional em 1996, quando anunciou o nascimento dos gêmeos do ex-jogador Pelé e de sua mulher, Assíria. No início do mês, os holofotes novamente se voltaram para ele, por causa de outro cliente ilustre, dessa vez Gugu Liberato. O apresentador de TV é o mais recente da longa lista de famosos – aí incluídos o ex-presidente Fernando Collor e o humorista Tom Cavalcante – que recorreram aos serviços do "homem que dá vida a bebês impossíveis", outro dos slogans com os quais Abdelmassih costuma vender Abdelmassih.
O herdeiro de Gugu e sua amiga Rose Miriam Di Matteo deve nascer no fim deste ano e foi concebido num casarão localizado no elegante bairro paulista dos Jardins – a clínica de reprodução humana de Abdelmassih, ou "a maravilhosa fábrica de bebês", como é louvada nos folhetos publicitários. Em doze anos de atividade, o laboratório deu origem a nada menos que 2.500 crianças de proveta, número que representa quase um terço do total de bebês nascidos pelo método de inseminação artificial no Brasil. Um sucesso que, como até os desafetos do médico admitem, é fruto de sua obsessão em ser o primeiro e o melhor.
Abdelmassih nasceu em família de imigrantes libaneses de poucas posses. Seu pai era mascate e a mãe, dona-de-casa. Tornou-se o orgulho dos dois ao passar no vestibular para medicina. Estudante da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), já dava mostras de que o segundo lugar no pódio não lhe era suficiente. Seu companheiro de turma, Rui Marcontonio, hoje diretor do Hospital São Luiz, em São Paulo, lembra que o colega vigiava as notas de todos os outros alunos, para ver se eram mais altas que as dele e tentar superá-las. "A faculdade exibia um quadro com a avaliação dos estudantes e o Roger tinha o capricho de copiar número por número", lembra. Em 1973, já formado, passou a trabalhar com o médico Milton Nakamura, morto em 1998, o responsável pelo nascimento do primeiro bebê de proveta no Brasil. Em poucos anos, suplantou o mestre. Em 1989, montou a própria clínica, hoje a maior do gênero no Brasil, e também a mais cara: nela, cada tentativa de fertilização não sai por menos de 8.000 reais, sem contar o custo dos remédios. Suas taxas de sucesso, em compensação, comparam-se às dos melhores centros de fertilização dos Estados Unidos: 35% dos procedimentos realizados resultam em gravidez.
Ele foi o primeiro a introduzir no país o revolucionário método de Injeção Intracitoplasmática, o CSI, que permite injetar o espermatozóide diretamente no núcleo do óvulo. A técnica, desenvolvida na Bélgica, contribuiu para aumentar em 20% as chances de sucesso de uma tentativa de fertilização. O talento de Abdelmassih como médico equipara-se ao seu pendor para as finanças. Sua clínica registra uma média de 1.200 tentativas de fertilização por ano e faturamento próximo a 1 milhão de reais mensais. Além das consultas e tratamentos, oferece de exames laboratoriais a serviços de atendimento psicológico. A sua linha de produção é completa, e ele a controla com a meticulosidade de um dono de armazém: não permite que se compre nem sequer uma pipeta sem a sua autorização. Como chefe, afirmam subordinados, tem gênio forte e temperamento explosivo. Ele confirma a avaliação, mas com uma ressalva: "O Roger pode até parecer bravo às vezes, mas tem um coração de ouro", diz. Abdelmassih, como muitos narcisos de outras áreas, só se refere a si na terceira pessoa.
Casado, com cinco filhos, dois dos quais trabalham com ele na clínica, o médico é marido e pai à moda antiga – ou libanesa. A mulher, Sonia, 50 anos, só pode sair sem ele se estiver na companhia de algum filho. Quando uma filha, já adulta, foi estudar na Europa, o médico tratou de providenciar uma "dama de companhia" para vigiar-lhe os passos. "O Roger é muito ciumento, mas não existe marido nem pai melhor do que ele", derrete-se Sonia, sem receio de mostrar seu amor pré-feminista. Pacientes, a quem o médico chama invariavelmente de "meu querido" e "minha querida", demonstram igual devoção. "Para mim, é Deus no céu e o doutor Roger na terra. Rezo por ele todas as noites", diz a administradora de empresas Renata Bonetti, mãe de duas meninas geradas na clínica.
Como é próprio das grandes personalidades, Abdelmassih está longe de ser uma unanimidade. No meio médico, há quem o acuse de passar feito um trator sobre certos princípios. É, por exemplo, um dos poucos que aceitam fazer a pré-seleção sexual, técnica que permite ao casal escolher o sexo do embrião – como quiseram, e conseguiram, o senador cassado Luiz Estevão e sua mulher, Cleucy, que apelaram ao médico para garantir que seu caçula seria menino. O Conselho Federal de Medicina só aprova o uso do recurso nos casos em que se trata de evitar doenças ligadas ao sexo do bebê. Abdelmassih simplesmente acha que as coisas não têm de ser bem assim. "Como posso negar a um árabe que tem três filhas o direito a um menino, que para ele é tão importante? A ciência tem de seguir a ética, mas, em muitos casos, a ciência acaba fazendo a ética", filosofa, obedecendo à lógica da dialética abdelmassihana.
Outro hábito do médico que costuma irritar a concorrência é o de brandir aos quatro ventos os sobrenomes de seus bebês famosos. As fotos dos gêmeos Joshua e Celeste, filhos de Pelé, constam até mesmo do site do especialista na internet. Aos que lhe criticam a atitude, Abdelmassih diz que, se não fosse a divulgação de seu trabalho, os colegas não teriam a metade da clientela que têm hoje. "Sou obrigado a dizer que a medicina reprodutiva no Brasil avançou muito graças ao Roger", afirma o próprio. Modéstia à parte.
Fontes: Revista veja.
Agora cabe a justiça apurar os fatos.Este é o link de sua clínica.
http://www.doutor-roger.com.br/dr_drroger.php