1.2.16

Porque uma mulher desvaloriza a outra?

The Women Fighting for the Breeches by John Smith
(mulheres brigando por calçolas, enquanto um homem que presencia a cena parece rir.)


A mulher desvaloriza a outra por dois fatores: o primeiro é a reprodução do machismo que nos coloca uma contra outra. Segundo, é a única defesa que tem para se valorizar usando o conservadorismo e as amarras do machismo (achar que é superior em algo), usando suas próprias privações morais, físicas e emocionais, já que não tem autonomia sobre sí e nem respeito sobre suas vontades. Ela desrespeita a sí própria para em seguida desrespeitar a outra. Segue uma regra de padrões formulados pelo patriarcado para manipular e oprimir a mulher.

Falando em linguagem mais clara, funciona assim:
Tá passando um programa com uma modelo linda e o marido elogia a beleza da musa. Possuída pelo ódio a esposa diz: 'Assim é mole, arranca dinheiro de ômi rico pra gastar com plástica e shopping. Assim até eu.' Seguem mais falas:
'Fica posando nua, se amostrando, não se dá ao respeito, qual homem vai querer? Só pra sexo mesmo...'
'Essa daí? Eu duvido que não traia o marido com essa roupa vulgar.'
'Vai dizer que ela vai cuidar de casa, marido e filhos igual eu cuido? Essas mulheres só querem dinheiro. Bobo do homem que acredita.'
'Essa mulher não deve saber nem fritar um ovo pro marido e quer casar... Eu faço vatapá, estrogonofe, faço de tudo...'

Enfim, a mulher não perde a oportunidade de detonar a vizinha, a amiga, a desconhecida e até a irmã. O importante é mostrar que em algum aspecto se sente superior em relação a outra.

Mas que aspectos são esses? São legítimos? Porque te representam?
Usar batom vermelho é coisa de puta, tatuagem é coisa de puta, saia curta e decote, de puta. Quem te disse isso pela primeira vez? De onde você obteve essa informação? Da sua avó que reproduzia o machismo? Do seu tio que batia na sua tia? Na escola onde todos sempre reproduziram o machismo de seus familiares?

Entende como a coisa é intrínseca, densa? Ela parte de lá de trás, de um passado obscurecido buscando perpetuar esses preconceitos através das gerações. Mas ao se dar conta que estamos presas nesse ciclo vicioso, precisamos arrebentar essas correntes. Existe ainda uma tendência para esse pensamento. Enquanto na periferia as mulheres precisam ser prendadas e religiosas, na burguesia a mulher precisa ter além disso, dinheiro, beleza e curso superior.

Com a auto estima detonada e moldada para específicas funções, a mulher não tem a percepção de que todas nós somos livres. Não é o fato de não saber cozinhar que nos torna menores, não é o comprimento da roupa nem o decote que fala sobre nossa moral e ética. Não é nosso linguajar livre, recheado de palavrões que aliviam a alma, que vai dizer o nível cultural e social.

A nossa moral não é sobre um casamento na igreja e nem sobre casar virgem.
A nossa moral não é sobre ser separada, divorciada, ter filhos ou não.
A nossa moral não é sobre nossa opção sexual.
Não é sobre o estilo musical que ouvimos.
A nossa moral é sobre o que nos torna dignas perante a sociedade. É o trabalho, a generosidade, a humildade, a sabedoria, a empatia,  são os valores que trazemos na bagagem. A construção ética está acima de qualquer fenótipo, qualquer exigência superficial em relação a dignidade.

Vamos novamente equiparar. Brasília. Senadores, deputados, ministros com seus ternos caríssimos. São bem apessoados. Primam pela família tradicional. As mulheres usam terno ou tailler. Tudo muito sóbrio. O Brasil é um dos países mais corruptos do mundo. Essa gente arrumadinha falando bonito, está nesse nesse exato momento desfrutando do nosso dinheiro. São corruptos, ladrões de colarinho branco.

Muitas pessoas se escondem em imagens recatadas, usando a cultura padrão pra esconder suas desonestidades. O que queremos aquí não é desvirtuar o assunto mas mostrar que essa coisa de padrão tem utilidade pública. É através desse padrão que somos reguladas. Um padrão moral nascido com o cristianismo impondo submissão à mulher e fazendo com que as mulheres se tornem inimigas. Quer acabar com uma resistência? Fácil. Coloque seus oponentes uns contra os outros. Eles não terão tempo de reagir contra o inimigo. Ficarão lá brigando entre sí enquanto o verdadeiro inimigo entra no campo de batalha e vai destruindo um por um. Eis uma ferramenta do patriarcado.


Por Chriscia Costa.

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