Mais um dia presenciando meu pai em frente a tv ofendendo quase toda mulher que ele assiste. Vadia, vagabunda (com a boca cheia), puta, burra. Sim, ele é misógino. Misógino pacífico daqueles que são oprimidos pela esposa e passam a nutrir ódio pelas outras mulheres. A primeira e a última palavra sempre foi da minha mãe, autoritária e abusiva com todos. Mas ele nunca teve coragem para resolver seu problema pessoal. Eu achava que tinha o melhor pai do mundo por ele não me bater. Sim, minha mãe me surrava pra descontar suas frustrações. E eu via no meu pai, o homem que não me surrava e nem gritava comigo, um homem pacífico. Somente na fase adulta percebí que ele foi omisso e covarde. Lavava as mãos para não entrar em conflito com minha mãe. Mas isso é outra história. O que quero falar aquí é sobre ter uma filha mulher e abraçá-la completamente. Sentir seus desejos, suas alegrias e sua dor. Compreender e amar de verdade, o amor incondicional.
Sempre notei uma certa distância em relação a mim, mas achava que essa distância se devia apenas aos conflitos do meu pai com minha mãe e com seus trabalho árduo na metalurgia. Eu queria brincar de futebol mas era raro ele brincar comigo, preferia não falar de futebol e ignorar minha coleção de figurinhas de jogadores de futebol que vinha no chiclete ping pong. Ao perguntar sobre jogadoras, ele respondia: "Não tem não, mulher não sabe jogar direito, não tem como". Era muito sutil e eu não percebia o machismo, apenas sentia tristeza com aquilo. Qualquer coisa relacionada a mulher que eu perguntava, a resposta era sempre negativa e eu cada vez mais decepcionada. Cheguei a pensar, "Droga, eu nascí mulher e não posso fazer nada". Brinquedos como carrinho, armas de brinquedo, soldadinhos... Enfim, não podia ter, era coisa de menino. Mas havia falas carinhosas, passeios de domingo na feira, expressão terna. Iludida por essa luz 'pacífica' em meio a turbulência da vivência com minha mãe, não percebia o viés machista a me julgar, me inferiorizar, me frustrar. Talvez não fosse a intenção plena dele me oprimir ou inferiorizar mas havia algo arraigado em seus pensamentos o fazendo se comportar de forma ignorante e preconceituosa.
A culpa era minha claro, por ter nascido do gênero errado. E o azar do meu pai foi ter tido filha mulher. Como se orgulhar em meio aos seus amigos 'ômis' e seus filhões com camisa de futebol tendo uma menina de vestido rosa pela mão?
Tenho certeza que se eu fosse homem a promessa da autoescola e do carro se cumpriria ainda na adolescência. Sairíamos juntos e ele nunca me recusaria uma partida de futebol. Ah, eu teria o tão sonhado ferrorama, armas de brinquedo e carrinhos que eram coisas de menino e imagina, eu não poderia ter. Também não haveria problema em trabalhar ainda na adolescência, homem que é homem trabalha. A mulher fica em casa, cuidando da mesma. Tudo o que eu deveria fazer era ficar 'mocinha' e esperar o momento certo pra arrumar um bom '$' marido. Esse era meu destino.
Um destino meia boca, no tropeço. Uma vida conturbada e triste. Eu me pergunto todos os dias, se eu fosse homem, o quão diferente teria sido. As oportunidades, o respeito, o caminho percorrido. Talvez não muito diferente pelo fato de ter uma mãe opressora, quem sabe um pouco diferente sim, por ganhar um pai por completo. A má notícia é saber que poderia ser mais um 'recrutável' ao grupo da misoginia. Não, pensando bem, é melhor ser mulher. Eles é que devem se adequar a mim e não eu a realidade deles.
Por Chriscia Costa
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